12.7.07

НЕ Е ПРОНАЈДЕН ЗАПИС! (Parabéns!)

( Foto: João Tuna, Teatro Nacional São João, Teatro Praga)

Entrevista com Pedro Penim, actor, intérprete.

O Penim fazia anos. Fui avisado minutos antes pelo produtor do Teatro Praga. Rumaram ao Porto com a peça “Avarento ou a Última Festa”, uma comédia em cinco actos.
Pedro Penim é um dos fundadores dos Praga, um projecto à procura, na disputa, no confronto, com polémica. Nasceram tarde, num Portugal cada vez menos interessado em pensar-(se). Uma entrevista de parabéns, nos dez anos de uma estrutura com aquela atitude. Não ficou nada por dizer.



Fazes anos não é verdade?

É verdade.

Gostas de celebrar o teu aniversário?

Não nada. Não sou nada de celebrações e muito menos do meu aniversário e, normalmente, passa-me assim um pouco ao lado. Quando era criança ainda sentia aquela coisa “hoje é um dia especial!”, mas depois… passa-me ao lado.

Vão telefonar-te muito?


Vão ligar-me muito, mas eu não costumo celebrar nada. Muitas vezes tenho, aquela coisa, como as festas surpresa, que têm graça. Além disso, hoje vou passar o meu aniversário a fazer o espectáculo, que é bom, é engraçado. Mas não tenho nenhuma relação com datas de aniversário, nem com datas nenhumas, em geral.

Bem…


Faço 32 anos. Já tenho uma idade respeitável.

Dizes a idade para não te associarem ao Disney Channel!

Olha, aqui (no Porto) ainda falam disso.

No blogue dos Praga, a propósito do espectáculo “O avarento ou a última festa”, vocês escrevem que para Moliére “rir era um meio e não um fim”. Para ti o que é fazer rir?

É muito interessante que as citações, quando são usadas, são sempre em proveito de quem as está a usar. Não é tanto para ver o que era para Moliére, porque isso não interessa nada.
Este espectáculo é uma comédia, uma comédia quase num estado puro e há um objectivo claro de fazer rir. Mas depois, há uma espécie de descolagem da ideia do riso como um momento de alienação, de descompressão do dia-a-dia, aqueles clichés, que normalmente se usam associados às comédias de entretenimento - “venha aqui passar um bom bocado e esquecer-se das desgraças do dia!”. Não é nada disso que se trata, é o contrário.
O que nós queremos fazer aqui através do riso e do humor é criar reflexão como noutro espectáculo qualquer. Isso em Moliére já acontecia usar a gargalhada como um catalizador de alguma coisa que possa ser mais significativa. Não tem que ser necessariamente uma mensagem, nem um objectivo pré-determinado. Como um momento de comunicação com o público, isso provoca reacções, confronto e consequentemente provoca pensamento.
Se isso acontecer através do riso pode até ser mais imediata essa comunicação. Este espectáculo põe isso à prova num ping-pongue constante com o público.

De qualquer das formas, na estreia, vocês continuavam o texto em cima das gargalhadas do público? Não têm prática para o “timming” da comédia?

Pois não. Não somos nem comediantes, nem o José Maria Viera Mendes (autor do texto) é um comediógrafo. Se calhar aqui, há mais uma apropriação de um género, do que nos definirmos como um grupo que faz rir ou que pretende fazer os outros rirem. No caso da estreia há, de facto, uma desadequação entre aquilo que muitas vezes estávamos a dizer e a reacção das pessoas. Depois da estreia foi o contrário nós esperávamos reacção e nada, ficava assim um silêncio esquisito.
Aqui, há também um mecanismo de adaptação a esta sala e isso sim, é muito complicado para nós (Teatro Nacional São João). É a primeira vez que nós estamos numa sala tão grande, tão clássica, com um palco à italiana com dourados, como fala o Ricardo Pais. Aquilo precisa de uma adaptação nossa, diária, àquela circunstância que não é a nossa. Mas essas falhas acabam por ser aquilo que nós somos, porque quando nós apresentamos um espectáculo, aquilo que tu vês está mesmo a acontecer, aquilo é o que é e, não pretende ser nenhuma transposição para outra coisa qualquer. Todas essas questões acabam por fazer parte do objecto final.

Que dez anos foram estes do Teatro Praga? Foram os preparativos para a Festa?

Não nada. Se há coisa que não aconteceu foram os preparativos para coisa nenhuma. As coisas aconteceram quase sempre por acaso. O grupo formou-se por acaso, não houve nenhuma ideia pré-estabelecida de como ia ser o grupo. Aliás, nós não fazíamos ideia nenhuma do que era um grupo e muito menos do que era o teatro. Nós formamos o grupo mesmo antes de estrearmos ou de termos experiência de teatro. Então isto nunca teve esse lado programático, temos esta companhia e isto é o projecto da minha vida, agora estou a investir toda a minha energia neste projecto, eu quero que isto seja bem sucedido, isso nunca aconteceu. A partir de certa altura o projecto começou a pedir mais de nós, mais, eventualmente, do que aquilo que nós tínhamos pedido ao projecto. Estes dez anos foram uma espécie de sucessão de acontecimentos, que se calhar, tem muito que ver com a realidade cultural, mais especificamente teatral. Não podes fazer um plano assim muito pré-determinado com objectivos muito delineados senão vais ter grandes desilusões. As coisas foram feitas, sobretudo no início, de uma forma muito adolescente e muito despreocupada!
Agora as coisas acontecem de uma forma mais rápida e mais profissionalizante…

Tiveste formação teatral?

Sim. Fiz o conservatório, mas já depois de haver o Teatro Praga. Nós conhecemo-nos num curso de iniciação teatral dos Sátiros, que era um grupo brasileiro. Era um curso, aos Sábados, ia lá três horas e fazíamos umas brincadeiras, depois apresentávamos um exercício final. Então nós apresentamo-nos como um grupo, demos um nome e ficou Teatro Praga, logo aí. Entretanto a coisa correu bem e tentamos fazer um outro espectáculo com o dinheiro de bilheteira que tínhamos ganho do espectáculo anterior. A partir daí a coisa começou a cavalgar.

Neste Avarento vocês trabalham textos que “ocupam um território opticamente correcto, mas de difícil apreensão”. Quem é que se cansa mais, vocês ou o público?

Quem é que se cansa mais?…

O Romeu Runa, no final dizia-me que estava de rastos.

É uma questão física, no caso deste espectáculo. Mas as coisas são postas de uma forma pouco confortável, quer para nós, quer para o público. E, essa ideia de conforto é recusada logo à partida, porque não nos interessa. Interessa-nos um território arriscado. Quando é arriscado, normalmente pressupõe investimento e esse risco pressupõe que possa haver erro e o erro causa angústia. É uma área um pouco movediça e pode gerar esse cansaço, não sei se cansaço, mas tensão, quer ao público, quer a nós enquanto criadores. Quando ia fazer espectáculos noutras companhias o que é que eu sentia? Quais eram as diferenças em relação aos Praga? Para mim estar a fazer espectáculos noutras companhias é como estar de férias, porque não tenho trabalho, as coisas são sempre mais fáceis, mais simples e muito menos preocupadas.

No dia 26 de Junho escrevias no blogue “não me sinto seguro, parece que o chão treme…” Já te sentes mais seguro?

Engraçado uma pergunta dessas… Sim, já me sinto mais seguro, agora… sobretudo aqui no Porto, o público que nos vai ver… percebe-se que há uma criação de expectativa. Ainda por cima um espectáculo feito a partir de Moliére, quando há uma tradição do Teatro Nacional de São João em fazer o Moliére de uma determinada maneira, que não é muito tradicional, mas ao mesmo tempo não muito vanguardista… essa expectativa está criada e há reacções muito díspares... mas em relação à pergunta… sim já me sinto mais seguro. Há aqui uma questão, neste espectáculo, que nos outros não existe. Como há uma equipa tão grande por detrás, uma máquina que ampara, normalmente estás mais dependente de ti mesmo, do que estás a fazer. Aqui estás mais amparado por estas circunstâncias de produção. Num dia como hoje se tivéssemos espectáculo à noite já andávamos a fazer coisas que era preciso fazer. Aqui estamos mais relaxados.

Os famosos técnicos do São João?

São magníficos. Não há sítio tão especial em Portugal para se trabalhar, nem há nenhum teatro com as condições que eles têm. Em Lisboa nem pensar e aqui sentes mesmo apoiado enquanto criador.

Com o texto já feito à partida foi difícil questionar o que estavam a fazer?

Foi difícil para nós. Houve sempre uma grande resistência da nossa parte. Para já encontrar alguém com quem pudéssemos ter essa relação de grupo de teatro e autor, ou dramaturgo ou escritor, que nunca tinha acontecido…

Vocês gostam mais de pessoas mortas?

Sim, nós gostamos mais de pessoas mortas, porque são mais fáceis de “violar”…
Neste caso fazia-nos confusão a colaboração com alguém que tem uma função muito específica dentro do processo e que não partilha de tudo o resto. Isto alastra-se a outras coisas como a cenografia, os figurinos. Das outras experiências que já tínhamos tido correram todas um pouco mal. Neste caso com o Zé ele teve uma experiência com o André Teodósio, (Espaço do Tempo em Montemor-o-Novo) o “Super-Gorila”, num espectáculo que fizeram e percebeu-se que com ele havia um entendimento e mais pontos de contacto em relação àquilo que nós fazemos e à forma como ele escreve.
Apesar da segurança que tínhamos, houve muita resistência da nossa parte por não podermos chafurdar naquilo. Mas correu bem, porque foi uma coisa escrita ao pé de nós, por uma pessoa da idade, que escreveu a pensar em nós. Havia uma data de indicadores que fazia com que o processo de escrita fosse interno quase e não essa ideia de um objecto exterior ser convocado para outro objecto.

Gostas do Porto?

Vou começar por dizer que não gosto de Lisboa. Para dizer, que não gosto do Porto. Não tenho relação nenhuma com a cidade. É uma cidade estranha. Lisboa tem um problema muito grande para uma capital de um país, parece uma cidade morta. O Porto parece-me ainda mais morto que Lisboa. Isso não esperava.

Vocês saem à noite?

Sim, aqui à nossa volta não se passa nada. Às vezes tenho a sensação que a cidade não existe, que é uma espécie de prestação de serviços durante o dia e esvazia-se à noite. Em Lisboa também, mas aqui é ainda mais visível. E culturalmente é uma pobreza franciscana. E eu sei que não é por falta de investimento criativo das pessoas do Porto, mas é muito esquisito. Aí há uma diferença em relação a Lisboa. Ali há ainda uma diversidade muito grande, consegues ver coisas completamente diferentes em momentos diferentes e semanalmente há estreias. E o Porto e Lisboa não são assim tão díspares para justificar essa diferença tão abissal em relação à oferta cultural. Há a Casa da Música e o São João… e há uma ideia quase macro-céfala em relação a esses espaços, que até tentam colmatar essa falta de iniciativa de coisas mais pequenas ou até mais “off”… aqui não se sente esse vibração.

Podias dizer que o Porto é uma cidade avarenta?

O presidente da Câmara é certamente.

“Desventrada, insegura”? (trecho da peça)

Pois, pois, as pessoas ligam sempre isso com o Porto. Mas eu acho que tem a ver com a mentalidade do Porto. Um mal de viver, um mal-viver... E isso é uma coisa política, uma coisa política em relação à cidade! Neste caso destas frases elas não são para o Porto, porque serve para todas as cidades, porque elas são desventradas, cinzentas e inseguras, funciona em qualquer sítio. Aqui parece que cola, com as pessoas que vão ao teatro, porque à partida são mais interessadas, nesta coisa mais política-artística. Se calhar não é nada disso!

Após a estreia houve pessoas a consumir-te alguns minutos e tu no teu blogue citas a Mariana Abramovic que depois do espectáculo tem é vontade de comer um gelado e que não a chateiem. Gostas disso?

Gosto, gosto… se for pessoas que eu conheço vou perguntar o que é que elas acharam, mas não gosto nada de fazer de anfitrião do espectáculo. Mas gosto dessa discussão e dessa interacção. Na Culturgest o que aconteceu com o “Agatha Christie” (espectáculo), depois do espectáculo, havia uma espécie de debate sobre os temas do espectáculo. Essa coisa pedagógica pode ser muito boa ou até ser muito má. Aqui acho que podia funcionar.
Há uma ainda melhor, do Johnny Rotten dos Sex Pistols, que depois dos concertos não quer que ninguém lhe venha dizer nada, nem dar os parabéns, só quer que lhe chupem a pila e acabou.

Vocês lá no blogue a certa altura escrevem sobre aqueles que expressam ódio pelos Praga de forma anónima? Acontece muito isso?

Agora menos, mas viemos agora da ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo) e uma das participantes disse-nos que havia por lá um “sururu” de coisas que se dividiam entre pessoas que gostam muito e aqueles que odeiam e desprezam totalmente. Acho isso um absurdo! Às vezes parece que estamos a fazer uma coisa absolutamente revolucionária, que não o é! Não é de todo. Quando vejo as pessoas a telefonar-me e a perguntar o que é que andas a fazer no workshop, “queremos saber!!” e as discussões muito a quente, porque as pessoas te odeiam.
Fomos fazer um espectáculo à Alemanha, a Colónia, o “Private Life”, tivemos reacções do mais inacreditál, com pessoas a chorar no fim, a dizerem “isto não é teatro!”…e eu adoro quando isso acontece, porque é quase um dever cumprido causar essa reacção epidérmica. Por outro lado faz-me muita confusão que isso ainda aconteça. Se fosse nos anos oitenta onde era possível essa terapia do choque em relação ao objecto artístico!

Vocês acham-se activistas do teatro, se é que isso existe?

Não vemos isso como um macro-objectivo. Estamos aqui para desafiar-nos nas coisas que queremos fazer. É um projecto artístico e não de intervenção, é-o indirectamente, mas não tem uma agenda. É um projecto artístico e os espectáculos não são políticos, mas são feitos politicamente e isso faz toda a diferença. Não tem um objectivo político, mas são feitos de tal forma que têm implicações políticas.

Vocês fazem residências artísticas para criar?

As residências artísticas são uma coisa da dança. São um espaço de criação fora do local onde vai acontecer o espectáculo e o facto de fazermos residências não é propriamente inocente, porque é com as estruturas da dança com quem nós temos a maioria dos contactos, “O Espaço do Tempo”, “A Centa”, “A Transforma”, de Torres Vedras…
O grande apoio do teatro é a dança, que é quase irónico, porque a dança tem muito menos apoios do Ministério da Cultura. O grande investimento no teatro é feito pelas estruturas da dança, o festival “Alkantra”, que começou a abrir-se a outras artes como o teatro e a performance… isso é tão sintomático de como são velhas as instituições teatrais em Portugal e como são pouco maleáveis e pouco empreendedoras. Ou são estas casas como CCB, o São João ou a Cullturgest a investir ou da parte das companhias é um dó de alma, sabendo nós que têm tanto dinheiro e recursos e usam em proveito próprio. Sabendo que no Porto e em Lisboa não há coisas novas, nos anos noventa ainda se acreditava que individualmente ou em grupo surgiam projectos novos, mas nós somos, provavelmente a companhia mais nova a ter apoios anuais sustentados do Instituto das Artes. É ridículo, porque até que apareça renovação é responsabilidade dessas companhias que isso aconteça. Os Artistas Unidos são dos poucos a fazer isso, multiplicam recursos de uma forma pró-activa. Nas outras companhias, seja um trabalho bom ou mau, isso é questionável, parecem casulos.

Vais comer um gelado hoje?

Vamos ver… mas sim vá… que é que se passa hoje, que não há nos outros dias, as pessoas tratam-te melhor?

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1.7.07

Uma dupla sem medo




Entrevista com o André e o Tiago, árbitros e activistas contra a homofobia.

André Verde (18 anos) e Tiago Braga (19 anos) são dois jovens especiais. Constituem o futuro, a geração sem medo, que assume o que é, que tem vontade de aplicar as mudanças trazidas pela geração anterior.
São os dois gays assumidos e implicados na luta contra a homofobia. Para ganharem uns cobres, que paguem as despesas de formação, são árbitros de futsal. Homens do apito, num ambiente, ainda longe de ser aberto à diferença.
Pena não haver mais narrativas destas. Uma entrevista a dois, com argumentos válidos para todos.

Como é que vocês chegam a árbitros?

André- Foi através do Tiago. Começava um curso de arbitragem em Fevereiro, acabei por me inscrever durante três meses fiz o curso e no final acabei por entrar na arbitragem, após passar as provas físicas, orais e escritas.

Tiago- Entrei através de um amigo, que também é árbitro. Sempre gostei de desporto, futebol em particular e futsal, mais ainda. Nunca joguei futsal e gostava de futsal, por isso optei por ir para a arbitragem.

Qual é a diferença entre o futebol e o futsal?

Tiago- É um jogo mais corrido, onde há muito mais acção. De duzentos jogos que tenha arbitrado há um ou dois que saíram empatados, ou seja, a monotonia no futsal não existe, como há no futebol de onze. É bastante interessante o jogo.

Já gostavas de futebol/futsal antes?

André- Não gostava muito de futebol. Praticava outro tipo de desporto. Nunca fui muito ligado aos desportos colectivos, de grupo. Fazia natação e musculação. Acabei por fazer o curso, porque era gratuito, mas também por razões económicas. Trabalho ao fim-de-semana numa coisa desportiva e ajuda-me a pagar a minha faculdade.

Vocês são os dois gays assumidos, certo? Conheceram-se faz um ano…

Tiago- Desculpa interromper! Somos assumidos, mas na arbitragem, por razões óbvias não posso ser assumido.

Porque é um mundo muito homofóbico é isso?

Tiago- Bastante preconceituoso, homofóbico, muito por parte dos dirigentes da Associação de Futebol do Porto, que são os que eu conheço em particular.

André- Na formação nota-se logo. Há um vídeo nas primeiras sessões, que apresenta um árbitro efeminado, que tem umas poses e gestos engraçados. Mostraram-nos o vídeo para nós não seguirmos aquele modo de actuar em campo. O modelo gay. Dizem-nos - isto é aquilo que nós não queremos!

Vocês entretanto também estão implicados na luta pelos direitos das pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trangénero)? Vocês fazem parte das panteras rosa?

André- Fazemos parte das Panteras Rosa do núcleo do Porto. Foi aí que eu conheci melhor o Tiago. E foi aí também que entrei mais no activismo. Nós nas panteras desenvolvemos mais um trabalho contra a homofobia, bifobia, transfobia etc, que é o que existe mais no Porto.
Tiago, tu tens mais passado político que o André?

Tiago- Só comecei a estar mais envolvido no activismo há cerca de um ano e meio, por isso, também não é a assim tanto tempo quanto isso. Comecei a gostar.

André, o que é que tu queres fazer?

André- Para além de produtor de cinema, gostava de ser modelo, de enveredar pela moda. Fazer alguns cursos de formação noutras áreas de que gosto como a fotografia, a iluminação entre outros, que acabam por ser complementares de uma mesma área artística. Gostava de experimentar de tudo um pouco.

Tu estás na fotografia, mas até chegares aí andaste um pouco à procura?

Tiago- Sim, já estive em artes, em científico-natural… decidi desistir de tudo, tive uma crise existencial e no meio disso tudo, a única coisa que sobreviveu foi a fotografia, que foi sempre uma coisa de que gostei. Já vinha do meu avô que era fotografo. Como eu não me estava a ver a trabalhar em nada, não me via em nenhuma profissão, decidi fazer uma coisa que gosto que é a fotografia. Se tiver emprego tenho, se não tiver não tenho, trabalho em cafés, já o fiz, não há-de ser problema!

André, entraste na Faculdade em Química e agora vais mudar?

André- Candidatei-me a química, mas acabei por mudar para cinema, porque na realidade, gostava do que estava a estudar, mas não era mesmo isso que me estava a entusiasmar. Não se enquadra de todo com a minha personalidade, por isso, acabei por optar por outro ramo, bem mais sonhador, que é o cinema.

Acham que ainda há muita discriminação em relação aos Homossexuais, Lésbicas…?

Tiago- Claro que ainda há muita discriminação em relação aos LGBT e para isso basta sair à rua. Dois homens heteressexuais podem fazer o exercício de dar a mão a outro amigo na rua e verificarem que há ainda muito preconceito. Não é muito difícil ser-se insultado na rua, por causa de um afecto com outra pessoa.

André- Existe muita. Foi por isso também que eu me meti nas Panteras Rosa, sobretudo no que diz respeito ao Porto, que em relação a Lisboa está bem pior. No Porto, nos sítios públicos como um shopping ou ruas muito frequentadas do centro, ai de facto, se nós quisermos cumprimentar alguém de forma mais afectuosa, acabamos por ser condenados com o olhar e até, com comentários menos felizes.
O Porto sempre foi e ainda é muito preconceituoso.

Como é que acham que isso podia ser combatido aqui, na cidade do Porto?

Tiago- Podia ser combatido se toda gente se unisse: homossexuais, Heterossexuais, Bissexuais… Se toda a gente se unisse nessa luta, rejeitando e repudiando os comentários homofóbicos que existem, atacando esses comentários de forma séria. Se toda a gente se implicasse nisso a discriminação perdia a força. Ia ser mais fácil para nós, que sofremos na pele o preconceito, de sair à rua e podermos ser quem somos, sem termos de andar com uma máscara.

Tiveram que abdicar de alguma coisa pelo facto de serem gays?

André- Agora que me estás a fazer a pergunta não estou a ver. Tive que abdicar de coisas pelos meus familiares, que não sabiam de nada. Hoje, já quase todos sabem, excepto a minha mãe.
Tive que mudar o meu comportamento na escola que frequentava. Se eu mostrasse o que sou, acabava por ser condenado o ano lectivo todo. Imagina quatro anos de curso com uma máscara como disse o Tiago à pouco.
Tirando a escola e a família não me lembro de abdicar de nada.

Tiago- Todos os dias temos de abdicar de qualquer coisa. Saímos à rua e se passarmos por algumas pessoas não podemos dar um beijo, falo dos “Gunas”, que andam aí. Se nós damos um beijo, meu Deus, somos chicoteados ali. Todos os dias existem situações dessas.
Na escola é impensável um gay revelar-se e isso não dar gozo e troça por parte das pessoas, um inferno para ele…

É por isso que as pessoas não assumem?

Tiago- é por isso que as pessoas não assumem a sua orientação sexual.

André- Aquilo que o Tiago referia das escolas, não acontece em todas! Há escolas em que é mais fácil, sobretudo as artísticas. Não são tão discriminados dentro da escola, mas são por serem daquela escola, fora da escola.

Vocês não têm medo de terem esta frontalidade perante a vida ao assumirem a vossa orientação?

André- No início tinha muito medo. Cheguei a pensar que se quisesse concretizar o meu amor por alguém do mesmo sexo, nunca pensei assumir. Mas, com o tempo comecei a pensar, que se nós quisermos muito, conseguimos ser felizes mesmo, com as pessoas que nos condenam na rua. É possível ter uma relação com a pessoa que a gente ama e quer. O passo mais difícil é querer assumir. A partir daí serei eu próprio e não precisarei da máscara.

Tiago- Quando descobri a minha verdadeira orientação sexual eu tive medo. Tive medo do mundo e de mim próprio. Eu cresci num ambiente familiar católico em que há uma sexualidade pecadora. Eu próprio tinha preconceitos em relação à minha orientação sexual, mas depois percebi que amar homens ou amar mulheres é a mesma coisa, são pessoas. Depois veio o medo da família descobrir. Isso também já desapareceu, com o activismo essas coisas acabam por desaparecer. Em relação às pessoas de lá de fora, o único medo que eu tenho é de ser agredido. Só esse. Toda a gente sabe que acontece, já aconteceram muitas vezes.

Vocês já alguma vez pensaram em sair do país?

André- Sim. Já temos planos futuros para concluirmos estudos no estrangeiro. O país para onde vamos ainda não está escolhido. Mais tarde veremos.

Tiago- Ele já respondeu. Eu não quero ficar sempre neste país.

Mas tem que ver com o facto de serem gays?

André- Há países onde é mais fácil ser-se feliz. Existe uma mentalidade mais aberta, não é um tabu ser-se gay. Para além disso, sei que a profissão que eu quero exercer como o cinema, tenho mais oportunidades lá fora.

Tiago- Qualquer país para onde formos a homofobia estará presente. Por isso não vou fugir daqui para fugir à homofobia. Mas quando eu for vou continuar a combater lá a homofobia que exista. Eu não quero fugir eu quero combater isso.
Vou sair daqui simplesmente, porque para além das coisas todas Portugal é um logro para se trabalhar. Uma porcaria, não há trabalho e o que há, é mal pago.

Vocês já foram vítimas de agressão?

André- Não. Connosco nunca aconteceu, mas acompanhamos o último barómetro da homofobia das Panteras pela cidade do Porto e verificamos a quantidade de comentários e reacções de uma cidade. Não achei grande piada.

Tiago: Já me aconteceu ser maltratado na rua. Estava eu a passar com um amigo meu, em frente do Rivoli, não era o meu namorado. A praça estava cheia de gente que devia ir ao teatro. Eu e o meu amigo achamos por bem fazer uma pequena acção para ver os comentários que podíamos ter. Demos um beijo na boca no meio deles. O mais engraçado é que os mais novos, que deviam ser alunos riram-se, mas sem nada de extraordinário a apontar, aquilo para eles era anormal. O que não gostamos de ver foram os professores que acharam aquilo bizarro e a fazerem comentários. Só provou que quem ensina neste pais não está preparado para tal.

Se tivessem direito ao casamento pensariam casar?

André- Nós estamos a pensar em casar.

Tiago- Independentemente de casarmos ou não, acho, que o casamento deveria ser para todos. Isso é básico em democracia. Com o André penso casar. É um contrato que traz regalias e se pagamos os mesmos impostos devemos ter acesso às mesmas vantagens que os casais heterossexuais.

Pretendem continuar a arbitrar num futuro mais longínquo?

André: Não. É só mesmo enquanto estiver a viver no Porto e precisar de dinheiro extra para pagar a faculdade.

Tiago: Eu penso continuar na arbitragem pelas mesmas razões. Eu gasto muito dinheiro com o meu curso. Vou continuar na arbitragem enquanto precisar de dinheiro. Ao princípio estava lá por gosto, mas comecei a aperceber-me que o futebol está podre. Quem manda na arbitragem está podre.

Vocês querem arbitrar juntos?

André: O objectivo é estarmos juntos a arbitrar os jogos. As equipas de arbitragem são constituídas por três árbitros. Nós seremos dois deles.

Que fotografia é que gostavas de fazer neste momento?

Tiago: Gostava de pegar na câmara e acompanhar uma família que eu não conheço de lado nenhum e fazer o registo fotográfico da vida dessas pessoas. Adorava fazer isso agora.

Que filme é que gostavas de produzir?

André: Têm passado muitos projectos pela cabeça. Mas no imediato gostava de fazer um filme sobre as pessoas com quem tenho vivido os meus últimos dias. O Fernando, o Riki, todos aqueles que me têm feito rir, a minha vida é mais feliz com eles. Adorava fazer um filme simples sobre eles.
Outro projecto em cinema era conceber uma obra abrangente do ponto de vista social. Um filme onde as pessoas com diferenças existissem de forma normal, pela riqueza que representam na sociedade. Para mostrar que em todos os sítios há pessoas diferentes, que o mundo tem pessoas com gostos e orientações diferentes.


O que é que achas que daqui a dez anos pode mudar em Portugal?

André- Acredito que vai haver evolução. Daqui a dez anos pode haver solução para os problemas que temos tido como a homofobia e o racismo.

Tiago- Eu gostava que daqui a dez anos questões como os homossexuais não poderem fazer uma dádiva de sangue já estivesse ultrapassado. Gostava que os casais homossexuais pudessem adoptar crianças. Gostava que os gays tivessem o direito ao casamento civil. Gostava que daqui a dez anos tivéssemos professores e formadores que dessem nas escolas aulas sobre sexualidade em condições. Gostava que o preconceito diminuísse…

André- Eu também gostava… e que houvessem mais discotecas gays, melhores e mais interessantes.

Tiago- Em relação às discotecas eu queria dizer que não gosto de “guetos” e daqui a dez anos gostava de poder ir a qualquer discoteca e esta não ser nem gay, nem hetero. Gostava de estar à vontade.


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